24 de ago. de 2016

O guapuruvu: olha ele aí, outra vez!


O Rio de Janeiro deve ser a primeira cidade do mundo a legalizar o graffiti, com a criação de um decreto que possibilita que artistas se expressem livremente nas ruas, sem complicações com a lei.

De acordo com o decreto 38307, assinado pelo prefeito Eduardo Paes e publicado no D.O em 18/02/2014,  toda arte na rua tem a garantia de 2 anos de permanência, exceto em caso de acidentes/obras no local.


A praça Sarah Kubsticheck, pela qual costumo passar pelo menos uma vez por semana, recebeu reformas e a árvore elétrica (do vídeo), de dezembro de 2013, sumiu do mesmo jeito que brotou. Apesar de estar completamente envolvido num novo projeto e não encontrar qualquer disposição pra grafitar naquele momento, só tinha duas escolhas: grafitar logo ou esperar a inspiração chegar e correr o risco de perder a parede.

Convidei LIU e GRATO, a dupla onipresente de Ipanema/Leblon, com seus personagens engraçadíssimos e depois de um bate-papo rápido, decidimos o que pintar. Fundo do mar foi o assunto escolhido e pensando na coluna que dá de frente pra Nossa Senhora de Copacabana, desenhei uma enguia.

A rua é cheia de surpresas e naquela madrugada, encontrei uma bicicleta estacionada num bicicletário (que eu nunca tinha reparado), exatamente diante desta coluna que eu ia pintar. Com pouca tinta e nenhuma mobilidade, deixei a enguia “guardando a vaga”. Os moleques mandaram bem, como sempre.

Voltei na madrugada seguinte, disposto a dar um capricho na arte e “me livrar” de uma vez por todas dela pra sintonizar no que eu vinha fazendo antes. Surpresa! A bicicleta continuava lá e apesar de usar uma escada maior, nem deu pra chegar perto da parede.

Bem que eu poderia voltar pra casa, mas tava cheio de tinta e sobrava espaço na pracinha. Fui pro outro lado e tentei “adaptar”  a arte da enguia numa parede infinitamente mais larga. Não deu muito certo e acabei mudando de idéia, preparando a base pra uma nova arte.

É uma árvore da Mata Atlântica, encontrada da Bahia à Santa Catarina. Muito utilizado em reflorestamentos, o Schizolobium Parahyba cresce rápido, numa média de 3 metros por ano. Vi um pela primeira vez na UFRRJ, no verão de 2007, e nas areias de Ipanema, ouvindo uma música da banda californiana Guided by Voices, materializei “O guapuruvu”, uma arte que representa a minha, a sua, a nossa conexão com a natureza, algo meio esquecido hoje em dia.

Com mais de 100 artes espalhadas por Copacabana, Ipanema e outros cantos do Rio nos últimos 6 anos, lá estava eu, pronto pra mais uma (mesmo que eu não tivesse com essa pilha toda...rs).

Era a 5ª versão de “O Guapuruvu” nas ruas e claro, teve gente fazendo reclamações ou perguntas sem sentido, mas felizmente, o mundo não é dos chatos e numa sequência aleatória de 21 dias entre maio e julho, estive por lá, vendo e sendo visto, recebendo cententas de elogios, trocando idéia com quem parava, posando pras fotos e inspirando a criançada. Algumas pararam pra observar e outras até tiveram a oportunidade de pintar (depois de muita persistência), como os alunos da rede municipal que preencheram os únicos triângulos cinza, mantidos na arte. Mais pro fim, conheci outra galerinha mais velha e um deles me perguntou se eu conhecia o PXE. Acho que foi a primeira vez que não me perguntaram se eu conhecia o ACME, referência no graffiti.

foto: Gabriel Azevedo


SOCK VIVE!


Nosso brother Michel, cria do JB e artista integrante do coletivo IDOL NO!, nos deixou no meio de junho. Tive oportunidade de grafitar com ele em 3 edições do “Que todos os muros virem telas”, evento que realizei em 2012, pra reunir a galera e pintar tapumes de obras espalhadas pela Zona Sul. Homenageei o amigo, pintando as quatro letras da sua tag, na coluna dos peixes, de frente pra Nossa Senhora.


SANTÌSSIMA TRINDADE
Durante o processo, encontrei tempo pra finalizar a arte do disco “Queen of Kings” , da minha conterrânea, a geminiana Taz Mureb e soltar uma nova versão da arte do disco “Mini Jornada Gigante” do talentoso Igor Bidi. Essas duas pérolas do RAPRJ saíram em julho e agosto, respectivamente, completando uma espécie de trilogia com diferentes personagens que conheci na Roda de Catchafire. O 3º é o lendário FolhaSeca, que lançou uma bomba no dia 11 de setembro de 2015.





O CAVALO DE DEUS
E a enguia do primeiro dia, lembra? Fiquei alguns dias descansando da pracinha, mas não do graffiti e voltei na Santa Clara, pra retocar o gato verde com todos os tons de verde que eu tinha direito (mais de 8, utilizados só no guapuruvu). Ali mesmo, conheci a Dosa, uma artista da Grécia que estava por Copacabana e de um fã da street art, ganhei um presente do Marrocos...ou seria Paquistão?

 foto: Lili Costa

De volta à pracinha, levei um rough novo com um cavalo marinho, que rabisquei enquanto pilhava meu irmão a desenhar. Tentei terminar a arte da enguia, mas acabei fazendo o cavalo-marinho, que tinha voado da minha sacola de tintas e voltou. Só podia ser o destino!
Enquanto coloria, alguém passou gritando “é o cavalo de Deus!” e quando olhei pra saber quem falava, um rasta respondeu: “tá ligado!”. A chuva e outros contratempos chegaram, esperei mais uma semana pra acabar no fim de julho aquilo que comecei no meio de maio.


Tão matando tubarão só pra arrancar a barbatana e fazer sopa...

#STOPFINNING

A arte não pára. Segue o baile...


Agradecimentos:
Às guerreiras (e ao guerreiro) da Defensoria 14ª DP – Leblon, Liu, Grato, Iuri Kramer, Igor Bidi, Taz Mureb, Rafo “Folha Seca”, Dna. Heloísa, Edvaldo e Seu Inácio, Gabriel Azevedo, Lili Costa, Copacabana Art Lovers

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