Conheço poucos grafiteiros que dão alguma importância a um tapume. A maioria só gasta tempo e tinta no que pensam ser eterno, mesmo sabendo que a arte é passageira. No meu caso, independente do tempo de exposição, um tapume é uma parede e se der mole, vou chegar pra grafitar.
Algumas semanas atrás passei pelo maior tapume que já vi nas
ruas de Copacabana, uma estrutura de aproximadamente 5 m de largura por 13 de
comprimento e uns 3 de altura. Ao ver pela primeira vez, imaginei que o
cobririam de adesivos (um desperdício, algo nada ecológico!) e esperei. Passei de novo por lá na semana seguinte e só
havia um adesivo grandão tomando a menor face, voltada pra Nossa Senhora de
Copacabana, enquanto a lateral gigante permanecia virgem exceto por algumas
pequenas pixações.
Enquanto o povo saía pra afogar as mágoas na noite de sexta,
eu andava em direção à Santa Clara, levando
mochila com algumas poucas tintas, látex, rolinhos e pincel, além da
escada debaixo do braço. Ao chegar no pico, joguei tudo no chão, pra preparar a
primeira cor. Das três artes que levei, escolhi a mais complexa e que ocuparia
mais espaço no tapume, que foi tomando forma rapidamente, enquanto algumas
pessoas paravam pra observar/ fotografar. Uma menininha de uns 4/5 anos postou-se diante da arte para um registro e ao
perceber, tirei a escada da frente, deixando o cenário limpo. Perguntei se ela
sabia desenhar um peixe e sem titubear, respondeu que sim. Com o rolinho cheio
de tinta, desenhou seu peixe que mais parecia um símbolo de infinito, numa
tacada só, parando apenas pra acrescentar o olho com um ponto. Foi andando em
direção ao pai e logo voltou pra agradecer. Continuei pintando e a arte já
ocupava mais da metade dos 14 metros de tapume.
Os amigos do Digital Dubs passaram pela Santa Clara e
pararam por um tempo. Alguns dias antes, “Nos porcos não creserão asas”, um
clássico dos bailes soundsystem fora apresentado na forma de clip, com o cantor Jeru Banto, colando cartazes por toda a cidade e meu nome
aparecia numa das cenas da praia de Copacabana.
#Nosporcosasasnãocrescerãojamais
A galera saiu e dois moleques de rua se aproximaram pra ver
a arte. O mais novo todo empolgado, foi contido pelo mais velho e os dois sentaram-se nos
cilindros de cimento da esquina e de vez em quando, trocava uma idéia com eles.
O spray de contorno acabou e tive que partir pro plano B antes do esperado. Um
moleque de Sampa perguntou se podia trazer umas tintas pra pintar um “grapixo”,
uma mistura de letras, cores e sombras, que chamamos de “bomb” por aqui,
apontando sua pixação numa porta de loja do outro lado da rua. Como não havia
assinado ainda, aproveitei o espaço que faltava pra mandar meu tag em letras
garrafais, ocupando toda a lateral do tapume. Se o brother de SP aparecesse,
poderia pintar a outra face. O clima estava bem tranqüilo...
PXE por Gabi (instagram.com/mexiasgabi)
Uma confusão rolava na esquina e só ouvíamos o barulho, até
que um cidadão visivelmente alcoolizado dobrou a Santa Clara, depois de ter
quebrado uma lixeira e despejado lixo dos sacos que aguardavam a passagem do
caminhão da Comlurb. Esbarrou no mais velho dos moleques, enquanto “emitia” uns
sons em português ruim. Quebrou a segunda lixeira, jogando pra cima deles com violência.
Tentamos forçá-lo a sair nos gritos de “VAZA”, mas o cara
relutava, enquanto seu amigo não movia uma palha. Conseguimos distanciá-lo
alguns metros, mas ele voltou, depois de danificar um orelhão, trazendo consigo
o gancho enrolado nas mãos, atrás dos moleques. Quando ele se aproximou de mim,
pensei em jogar em cima dele o copo de látex preto que segurava naquele momento,
mas corri em sua direção, que soltou o gancho e foi embora de vez, com um belo chute na bunda.
Os moleques aproveitaram o embalo pra sair também e a polícia, só apareceu meia hora depois, pra perguntar alguns detalhes da arte que eu fazia. Lá pelas 2h da madrugada, recolhi meu material, andei diante daquele imenso tapume, contando os passos largos. Tirei as últimas fotos e recarreguei as baterias noutra esquina bem perto dali.
Os moleques aproveitaram o embalo pra sair também e a polícia, só apareceu meia hora depois, pra perguntar alguns detalhes da arte que eu fazia. Lá pelas 2h da madrugada, recolhi meu material, andei diante daquele imenso tapume, contando os passos largos. Tirei as últimas fotos e recarreguei as baterias noutra esquina bem perto dali.
Duas noites depois, já estava de volta às ruas. Em Ipanema,
depois de lançar alguns tentáculos e arrancar quilos de cartazes, deixei um
bomb pra voltar em breve. Acabei tirando os dois dias seguintes pra descansar e
apenas acompanhei minha amiga Luiza, que ainda tinha suas 4 MTN 94 quase novas
porém sem birros, depois dos primeiros graffitis que fizemos 2 anos atrás.
Enquanto ela desenhava uma sereia, eu misturava o látex pra complementar nos
preenchimentos. Descemos por volta das 21h, mas ainda voltei em casa pra pegar
os birros e a escadinha.
O plano era pegar um espaço num tapume de obra na Rua Bolívar, que eu já havia pintado algumas vezes (acima). De longe, pudemos ver o segurança do
lado de fora e mesmo com uma arte minha gigantesca naquela parede, não teve
“desenrole”. Com a primeira cor já misturada na bandeja, partimos pra parede
branca mais próxima, a de um banco na rua principal de Copacabana (essa aí do vídeo abaixo)
Luiza subiu na escadinha pra rabiscar os primeiros traços. Um
casal parou pra olhar e parabenizou o trabalho. Apontei minha arte de longe e a
moça lembrava de outra, bem perto dali. Em seguida, uma senhora parou pra
conversar conosco, dizendo que gostava muito do que fazíamos pela cidade, mas sentia uma certa
“falta de reconhecimento”, o que eu rebati dizendo que se ela reconhecia, já
estávamos felizes.
Nossa felicidade durou pouco, com a chegada de uma viatura, após
denúncia de pixação. Tentei argumentar, mas acabamos dando um rolézinho até a
13ª DP. Os policiais de plantão já nos esperavam na entrada, onde conversamos
um pouco e pude explicar quem eu era e o que fazíamos. Entramos pra uma breve
verificação, constatando que nossas fichas estavam limpas. Saímos ilesos, mas
avisados a não voltar na “cena” do crime. Luiza, visivelmente abalada, só
queria voltar pra casa.
Acabei a convencendo a lançar a arte de qualquer
maneira, pra se livrar daquela má impressão e nos dirigimos pra Ipanema, onde
havia um tapume legalizado, com uma arte minha e do brother Ogee, da
Inglaterra. Entre o dog Pepe e o Afroman, surgiu uma sereia.
Fui dando alguns
toques e quando encontrei tempo, ocupei a lateral com alguns tentáculos. Os 4
birros que levei entupiram rapidamente e grande parte do que Luiza fez, foi no
pincel/rolinho. O que sobrou da tinta, usei pra ocupar os últimos espaços
brancos com triângulos.
Tirei as últimas fotos e voltamos felizes até
Copacabana, pegando a Nossa Senhora, pra ver os tentáculos que dividiam
espaço com a placa em homenagem ao Junior, ex-jogador do Flamengo.
Já na rua de Luiza, a chuva começou a cair. Me despedi dela e fui correndo pra casa...
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